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Desta vez, o risco é maior

segunda-feira, 10 de março de 2008 Leave a Comment

A compra da Xstrata pela Vale traria enormes benefícios para a mineradora brasileira -- e desafios do mesmo tamanho
Desde o dia 18 de janeiro, quando o Portal EXAME anunciou que a Vale preparava uma oferta para a compra da mineradora anglo-suíça Xstrata, os bastidores da transação se transformaram numa usina de boatos. Nas últimas semanas de fevereiro, foi divulgado pela imprensa especializada que o namoro estava prestes a virar casamento. Logo depois, que as negociações estavam perto de um "colapso". Muita especulação, pouca certeza. O fato é que as conversas, extremamente complexas por natureza, continuam -- com as idas e vindas que se esperam de uma fusão desse tamanho. O negócio, que pode chegar a 90 bilhões de dólares (ou 150 bilhões de reais) se concluído, gerou entre os investidores uma imensa expectativa: essa seria a maior aquisição feita por uma empresa brasileira em todos os tempos, e criaria a maior mineradora do mundo em faturamento. Segundo as análises mais comuns, esse seria um passo natural para a Vale. Afinal, a compra da Inco, dois anos atrás, provou-se um excelente negócio para a empresa. A Inco, porém, custou à Vale 18 bilhões de dólares, um quinto do valor da Xstrata. Os riscos do novo negócio variam na mesma proporção: desta vez, são muito maiores.
Um dos motivos de preocupação para os acionistas da Vale é a perspectiva de uma mudança no cenário econômico, até agora cor-de-rosa para o setor. O mercado de mineração é regido por ciclos. Normalmente, três a cinco anos de preços em alta são seguidos por três a cinco anos de baixa. O atual momento é o auge de um dos ciclos mais longos e de maior pujança já vistos na história, só comparável ao que se viu após a Segunda Guerra Mundial, quando a Europa em reconstrução fez com que a demanda por metais disparasse. Desde 2003, o preço do minério de ferro, por exemplo, subiu 372% -- e a previsão de analistas é que seu preço continue a subir. Isso é uma excelente notícia para a Vale. Mas nem tão boa assim para uma combinação de Vale e Xstrata. A mineradora anglo-suíça depende de outros metais com menor potencial de valorização. Segundo os analistas, cobre e níquel, responsáveis por 64% do fluxo de caixa da Xstrata, tendem a enfrentar quedas nos preços. Como a Xstrata está sendo avaliada exatamente no momento em que o preço desses metais alcança valores recordes, a Vale corre o risco de pagar demais pela aquisição (hoje, a Xstrata vale 300% mais que três anos atrás). "Uma queda nos preços dessas commodities pode afetar muito o valor da Xstrata nos próximos meses", afirma um analista que pediu para não ser identificado.
O maior culpado pela possibilidade de desvalorização da Xstrata é o cobre. Segundo um relatório do banco de investimento americano Merrill Lynch, esse é o metal mais exposto à desaceleração da economia americana. Entre os principais destinos do cobre estão a fabricação de fiação elétrica e encanamentos residenciais e a produção de circuitos eletrônicos de bens de consumo, exatamente o tipo de produto mais atingido durante crises imobiliárias como a americana (a queda nas vendas de casas diminui também a comercialização de aparelhos domésticos). Com a compra da Xstrata, cerca de 20% do fluxo de caixa da Vale passaria a depender do cobre. Hoje, essa relação é de apenas 2%. A união de Vale e Xstrata traria, também, maior volatilidade para a empresa brasileira. Hoje, 46% do resultado da Vale depende do minério de ferro, produto negociado apenas uma vez por ano. Com a demanda aquecida, a mineradora pode endurecer a negociação com as siderúrgicas, o que resulta em seguidos aumentos de preço. Desde 2003, a Vale vem conseguindo subir esse preço a níveis superiores a 29% ao ano, o que explica o lucro de 20 bilhões de reais obtido no ano passado, recorde na história do capitalismo brasileiro. Com a aquisição da Xstrata, a dependência do minério de ferro cairá para 27%. Portanto, cerca de dois terços do faturamento da Vale dependerão de preços cotados diariamente na Bolsa de Metais de Londres -- ou seja, a variação dos preços vai passar a depender de fatores que estão fora do controle dos executivos da Vale.
O maior desafio concreto de uma fusão entre Vale e Xstrata será a união de dois gigantes com culturas antagônicas. A Xstrata é a companhia mais descentralizada do mercado mundial de mineração. Seus dois principais escritórios -- um em Zug, na Suíça, e outro em Londres -- têm apenas 40 funcionários. A Vale, presidida pelo fortíssimo Roger Agnelli, tem sedes administrativas em cinco estados brasileiros. Só no Rio de Janeiro, a burocracia da empresa ocupa um prédio inteiro, de 20 andares. A Xstrata é dividida em unidades de negócios dedicadas à extração e à comercialização de cada uma das commodities da companhia (alumínio, carvão, zinco, cobre e níquel). Seus diretores têm poder para criar e executar os próprios planos, de cortes de custos à expansão das minas. Na Vale, processos como esses precisam passar pela aprovação da administração central. A empresa já enfrentou, em menor grau, problema semelhante durante a absorção da Inco. Cada mina do complexo de Sudbury, no Canadá, tinha autonomia para negociar individualmente salários com os trabalhadores, o que acabou gerando distorções. Adaptar o modelo da Inco ao estilo de administração da Vale sem causar o descontentamento generalizado dos trabalhadores tem sido uma tarefa delicada -- para a qual a empresa ainda não encontrou uma saída. No caso da mudança no tratamento aos funcionários, a Vale diz ter feito uma proposta aos mineiros canadenses, mas ainda não chegou a um acordo definitivo.

DE TODOS OS RISCOS que a Vale começa a encarar, o mais urgente é a possibilidade de perder o status de grau de investimento, conferido a empresas com baixo endividamento -- e que, portanto, apresentam pouco risco a seus credores. No Brasil, apenas 12 empresas fazem parte desse grupo. Essa possibilidade está ligada ao tamanho do investimento necessário para a compra da Xstrata. Do total de cerca de 90 bilhões de dólares, no máximo 50 bilhões poderão ser pagos em dinheiro. O restante precisará ser oferecido em ações. Se o endividamento exceder esse valor, a empresa corre o risco de ter sua classificação de risco rebaixada pelas agências especializadas. Nesse caso, a Vale perderia duas grandes vantagens. A primeira é pagar juros cerca de 20% mais baratos em emissões de títulos de dívida. A segunda é ter mais prestígio na bolsa. A maioria dos fundos de pensão americanos só aplica em empresas com grau de investimento. Trata-se de um grupo com 1,2 trilhão de dólares para investir. "Dificilmente a Vale fechará o negócio com a Xstrata se sua classificação de risco estiver em jogo", diz Rodrigo Ferraz, analista da corretora Brascan.

Se concretizada, a aquisição da Xstrata vai representar o mais ousado passo do já espantoso processo de transformação por que a Vale passa desde 2005. Há três anos, um ano antes da compra da mineradora canadense Inco, o faturamento da Vale era de 13 bilhões de dólares. Com a compra da Xstrata, a receita aumentaria para cerca de 61 bilhões de dólares. Além do aumento de tamanho, as aquisições são as grandes responsáveis pelo atual processo de globalização da companhia. Antes da Inco, a Vale tinha operações em 20 países. Com a Xstrata, esse número passaria de 30. Como resultado, a dependência de suas minas no Brasil diminuiria drasticamente. Há três anos, 98% da receita da companhia vinha de suas operações locais. Com a Xstrata, esse número cairia para cerca de 40%, segundo estimativa de analistas. E a mineradora brasileira, que tinha valor de mercado de 105 bilhões de reais há três anos, passaria a valer cerca de 340 bilhões de reais com a aquisição, tornando-se a maior mineradora do mundo.
Apesar das dificuldades a ser enfrentadas pela Vale caso o negócio com a Xstrata aconteça, a notícia de uma possível aquisição agradou aos investidores. As ações da mineradora tiveram valorização de 26% desde que a Vale confirmou as negociações. Para os especialistas do Credit Suisse, a combinação entre as duas companhias criaria não só a maior mineradora do mundo mas também a empresa com o maior potencial de crescimento do setor, cerca de 12% ao ano. Estima-se que as sinergias entre as duas operações gerem uma economia de 800 milhões de dólares apenas no primeiro ano de aquisição, número que pode aumentar para 2 bilhões de dólares. "O principal motivo para a pujança do setor é o crescimento da China e sua demanda por metais para a construção civil", diz Carlos Kochenborger, especialista em mineração da corretora Geração Futuro. "Ninguém consegue prever o fim desse fenômeno." Vê-se que o otimismo de investidores e analistas é palpável, mas é nos momentos de maior otimismo que são feitos os piores negócios. A ponderação entre os riscos da compra da Xstrata e seus inegáveis benefícios definirá os próximos passos da maior empresa privada brasileira.
Fonte: EXAME ,Por Melina Costa.

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